Thursday, November 22, 2007

SEVEN AGAIN


DA ALMA
tantas vezes
parva





As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque a chuva as lavou.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque o vento as poliu.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque a neve as cobriu.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque o sol assim as tornou.
As pedras brancas da calçada da minha rua
são brancas porque sangue quente
corre ainda nas veias dos homens.
**


Morrer devia ser assim:
lavar a cara com areia fina
e mergulhar no mar adormecido.
**
Não havia memória.
Havia chão.
**
Levei as minhas mãos ao teu rosto.
Levei as minhas mãos às tuas mãos.
Levei as minhas mãos ao teu corpo.
E tu sorriste.
Os milagres que as mãos fazem!
**

Roubei girassóis da varanda da casa da minha tia.
Roubei-os, mas com ajuda!
Comigo foram o Almada e o Régio,
o Eugénio e o Fernando.
Um assalto, sem cúmplices,
nunca seria verdadeiro e credível.
Trepei pelo granito,
segurei-me às ripas,
arranquei as plantas,
e atirei-as para baixo.
Tudo isto,
enquanto a minha tia dormia.
Almada ficou com três.
Se não me engano, o Régio com duas.
O Fernando apanhou a outra.
O último girassol trouxe-o comigo.
Ainda o guardo como recordação.
Quem pode colocar ordem,
nesta minha confusão,
é o Zé Gomes que tudo fotografou.
A claque também não faltou.
Presentes: o Alexandre, o Ary
e a Natália; Dinis, Florbela e Garrett.
Estes que nem convidados foram!
Juntaram-se alguns populares,
por vontade própria e espontânea,
mais uns tantos estrangeiros que,
por ali, turismo faziam.
Os jornalistas avisados não foram.
Mas houve reportagem,
três semanas depois,
num qualquer diário da capital.
Era uma sexta-feira quaresmática.
Disso recordo-me,
de acordo com o calendário
da Magna e Santa Igreja Católica.
O Belo assegura-me que esteve
um lindo dia de sol.
Não me lembro...
Sei que desci, colocando os pés
nas pedras por onde subi.
Eram-me tão familiares,
como as minhas mãos.
Girassóis roubei da varanda
da minha tia.
E ela perdoou-me,
quando lhe disse que era
para o Vicente os pintar.
Roubei girassóis para Van Gogh.
E guardo ainda
um original da série,
em casa da minha tia.
Se vale milhões, não sei.
Tudo é, quase sempre,
pouco mais que nada.
**
Por que não podemos apagar as palavras,
fazer delas um incêndio, uma inundação…
Depois, escrever tudo de novo
com nomes que não soubemos nomear
e imagens que inventar não pudemos.
Tudo mais e mais verdadeiro.
Por que não podemos rasgar a carne,
os ossos, os olhos, para podermos dizer,
ao menos uma vez na vida:
Viva a página.
Viva a mão.
Vivam os dias.
**
Por um pouco mais de sonho,
azul como esta tinta que uso;
por um pouco mais de vida,
darei todo o oiro que não tenho,
aquela imensa força de luta,
o meu coração e vontade.
Por um pouco mais de azul,
Lisboa pode servir de troca;
porque a minha pátria não é
a língua portuguesa.
A minha pátria não é aqui,
onde moro ou trabalho.
A minha pátria (querem saber?)
é tudo em que acredito.
@private/outubro 20007
__________________________________________________________

SOBRE O AMOR

Mademoiselles d'Avignon, PICASSO, Moma.org NY

AMPHORA


Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o silêncio,
num lugar ermo de terra feito
e madeira velha por tempo:
o ressuscitar dos nossos sentidos e voz;
A escrita germinando
nos degraus húmidos do resistir.
Não há inverno nem verão. Ninguém fala.
Escuta-se o rumor do vento, se o vento sopra,
o silêncio da casa, da amphora.
E há vinho: natureza fresca.
E há mel, recolhido cuidadosamente no ano anterior.
Encontrámos aqui o vinho, o gelo, o copo, o corpo.
E fizemos amor.


*


Que casa querer depois desta casa?
Que corpo desejar depois do corpo ali?


*


Molhámos os corpos nos riachos
gerados no interior da neve e da montanha,
irmanados naquela mútua recompensa de gurgitares:
nós e as fontes; nós e as pequenas quedas de água,
no verdadeiro silêncio da terra.


*


Não havia memória.
Havia chão.


*


Às vezes, sentávamo-nos nas gotas de orvalho,
suspensas na relva
e revíamo-nos nos espelhos das nuvens dispersas,
vagueando em sonhos.
Adormecíamos, por vezes.
Acordávamos tão leves...


*


O frio não era motivo de abandono.
Habitávamos a casa, as réstias de sol,
a luz matinal coada na limpidez do espaço.
Fazíamos o jogo paciente da aranha tecendo a sua rede.
Seguíamos-lhe os movimentos.
Apreciávamos a lentidão das suas esperas.
Sentíamos pena das suas vítimas.
Como libertá-las, sem quebrarmos os ténues braçosda prisão?


*


Era o equilíbrio natural que absorvíamos.
Amávamos. Conjugados no todo de um ambiente primordial.
E quem somos, para podermos quebrar o sossego da harmonia,
construída em todos os recantos
deste terno e pequeno mundo?
Sentávamo-nos, por vezes, no musgo.
Na frescura da terra semeada de pinheiros.
Viajávamos, depois, aos confins do eco
e nossas vozes regressavam mais quentes.
De amor.


*


E quando a mágoa espreitava
sob um sorriso,
dizias somente:
a noite só vem
quando os olhos se fecham de cansaço.
Antes, é a sempre e repetida loucura
dos encontros sem fim, sem fundo,
no outro lado do mundo.


*


Era a manhã vinha ao nosso encontro.
Em busca de um beijo húmido,
nascido no interior da noite.
Caminhava pela madrugada preguiçosa
e removida das entranhas do desejo.
Amanhecia. Ou eras tu que caminhavas
à procura de um silêncio
envolto em nevoeiro matinal?



*



Respiravas sonhos inteiros
à medida dos teus olhos erguidos
na direcção da luz.
Havia um sol razante no arvoredo.
Um reflexo enorme na tua mão.
E o frio ainda não tinha nascido.



*



Brilhavam auroras nos teus olhos.
Nos teus cabelos batia o vento.
E as searas permaneciam atentas
ao lento declinar da tarde.
Um sentimento natural unia-nos
ao cheiro cinzento da terra.
Como penetrar a penumbra do sol,
sem desperdiçar o tempo da erva?



*



Baixo os olhos à torrente de água que nos liga.
Os teus olhos prendem-se atentos
ao lento declinar da tarde
e espantam-se.
A água não mais é cor de água.
Transporta, num turbilhão de nervos,
nosso sangue,
à procura de repouso
no interior mais fundo da terra.



*



Uníamos o cheiro da terra
ao intenso florir dos nossos olhos,
no espanto natural de termos mãos.
*******
ja/sac/82m


Wednesday, June 6, 2007

VELAS AO VENTO

Não sei como isto aconteceu.

Fui juntando textos de várias datas
e reuni este pequeno opúsculo
da minha relação de amor/ódio
com Lisboa, dedicado aos amigos.






jurei um dia amar-te lisboa


jurei um dia amar-te lisboa
do fundo do coração jurei
antes de o rio tejo ter ponte
para a tua outra margem
antes muito antes do agostinho
ter ganho a volta a portugal
muito antes ainda de mário soares
ser primeiro ministro
e presidente da república
jurei amar-te lisboa
desde a primeira vez em que te vi
mas não é fácil
e penso cá por coisas nunca o será
apesar de tantas juras






as pontes unem os homens
curiosamente também os separam
vá lá alguém perceber
a contradição das margens
provavelmente é um destino
queremos unir e separamos
unimos só de vez em quando
e nem sabemos porquê
talvez por isso na ponte
amiga minha do coração se passou
só porque queria unir tejo e casa
que ficava na outra banda
nos olivais de lisboa pois assim
sem oriente nessa noite





coisa raríssima mas verdadeira
descobri numa manhã deslumbrado
um casal de corvos poisado
na sinalização dos cacilheiros
não sei se havia recepção
ou convite formalizado
mas os dois estavam perfumados
em pose de fazer inveja
às gaivotas que em círculo voavam
pareciam até esfomeadas
dos muitos tédios que lisboa tem
e havia igualmente apetites
diga-nos lá senhor presidente
onde ficam os alambiques






ainda estou a aprender
menino de idade zero
tenho só meses para ser homem
não sei se vou ter tempo
nesta azáfama do século vinte e um
como posso assumir o futuro
ainda agora mesmo aqui me puseram
o que posso dizer-vos
até porque de lisboa se trata
sete colinas tem dizem
pelo menos em setembro
em outubro será que oito terá
acabei de nascer
ainda não sei contar






é urgente falar de vida nova
(tanta vez já ouvi isto)
amor e cumplicidade
andamos de cabeça perdida
não é por acaso
em esquinas de lisboa choramos
tanta estrela despedaçada
por coisas que não amamos
e não me venham com tretas
de falta de civilização
falta-nos dinheiro sobra génio
não jogamos na roleta
há tanta coisa que temos
no coração e na cabeça






os azulejos do meu bairro
andam em frenezim
muitos partidos por outros
alguns chorados por mim
mas que cidade é esta
que permite destruir-se
penso que é vaidade
de um tal frei antónio ou joaquim
que queria ver honrado
voto bom e bem intencionado
andou distraído
da lisboa que conquistou
acabou desterrado
sem alfama nem pecado





estou no meio do infinito
(sei lá se sim ou não)
há aqui coisa esquisita
que não me deixa saber
qualquer falta de equilíbrio
diz-me o coração
mas podem ter a certeza
não vos vou enganar
um homem nunca está seguro
nem numa rocha lunar
e por certezas não ter
assim do pé p'rá mão
não sabe como chegar
ao alto ou ao baixo devagar






ainda agora aqui cheguei
e não trago facas na liga
diga-me lá senhor motorista
como se chega à expo
deve ter sido bem informado
do percurso necessário
quer fale inglês ou castelhano
pode exprimir-se
com toda a liberdade
diga o que tem a dizer
em qualquer idioma
em qualquer linguarejar
falo todas as línguas
até as do sul eu sei falar





ia eu calmo rua acima
quando se aproxima o guarda da noite
que traz no seu bornal perguntou
perguntas muitas perguntas
respondi entre dentes
e que leva ao ombro inquiriu
levo como é óbvio uma janela
onde a roubou insistiu
foi apanhada num contentor
no lixo não é voltou a perguntar
abandonada ripostei
é proibido a esta hora
que horas são senhor guarda
horas de recolha obrigatória já disse






assaltaram mais uma igreja
ali para os lados da velha belém
foi dinheiro santos e retábulos
que ninguém sabe enumerar
andam todos esquecidos
já ninguém olha para o altar
tudo levaram da capela
parece que até o oiro sagrado
uma custódia
estão todos excomungados
mas o prior da freguesia
nem queria acreditar
não é que os bandidos
pela torre foram entrar





vivemos no tempo do nada
não há nada que enganar
de cabeças vazias
o que se pode pensar
deixem-se de eufemismos
não há nada que enganar
façam uma festa de arromba
duas ou três podem até ser quatro
com fogo de artifício e tudo
mas não me venham com cantigas
o fado já morreu
(será que assim é)
vivam os projectos pimba
pimbemos pois ai amigas






jurei um dia amar-te lisboa
e não sei quando te amarei
há tanto mar e tanta terra
sei lá eu se cumprirei
mas sei que é uma promessa
desmedida e muito a sério
como poderei cumpri-la
esse é que é o grande mistério
só que morto ou enterrado
em lisboa ou no tejo
hei-de sempre ter em mente
cá por coisas que eu cá sei
que um nobre fidalgo despido
é igual a toda a gente






por vezes faz frio no céu
e eu não sabia
até ter viajado de avião
sabia que havia frio
muito frio na sibéria
no céu não sabia
no céu devia haver ar condicionado
mas descobri mais
em lisboa as temperaturas sobem
à medida que os orçamentos baixam
e se assim é
imaginem o resto do país
faz muito frio na serra da estrela
e chove na casa de minha mãe






quero construir contigo
nossa história de amor
um galho de esperança
talvez onda de paixão
o que eu quero reconstruir
é a dádiva e o beijo
primavera ou verão
quero paz em toda a gente
quero navegar
como marinheiro
quero a noite que havia
um sono descansado
quero vida sempre
sempre deitada a meu lado





a memória é o que nos resta
ouvi isto um dia destes
a alguém que não conheço
pouco depois fiquei a observar
um míope que o lixo vasculhava
tudo isto se passava em sapadores
de lisboa pois então
seleccionava jornais e revistas
revistas e jornais
que colocava no chão
pareceu-me um velho conhecido
seria ele-mesmo
faltou-me a coragem
estou a ficar míope.






já compreendeste
onde gasto energias imensuráveis
vitais poderosas e eternas
um dia viramos a cara para o horizonte
e é noite que até amamos
outro dia olhamos o sol e é manhã
noutro alcançamos uma nuvem
e deitamo-nos ao lado dela
será que ainda vale a pena sonhar
quando já nada há para fazer e dizer
sim será que vale a pena
sonhar com lisboa
será que ainda vale a pena
vale sempre a pena sonhar contigo